segunda-feira, 16 de junho de 2008

Astuto, mas não tão criativo...



A história do maior marketeiro de todos os tempos.


Talvez no mundo do marketing não exista um maior especialista do que O Adversário. Desde os primórdios da história humana, ele convence os homens a comprar seus produtos. Não há ninguém e nunca houve com tamanha capacidade de convencer os homens da necessidade do desnecessário. Quando você é convencido de que precisa de um produto, ninguém pode te convencer do contrário. E é exatamente o que o astuto O Adversário fez e faz.

Sua primeira e mais bem sucedida estratégia de marketing remonta a uma era em que absolutamente nada do que era necessário faltava. Hoje, talvez, tentamos nos convencer de que precisamos de algo, quando na verdade, esse algo só serve para preencher uma carência muito maior e mais profunda do nosso ser. Hoje o marketing é muito mais fácil! Mas naquela época não, absolutamente todas as necessidades mais profundas do coração humano estavam inteiramente supridas. Afinal, o homem vivia exatamente no ambiente em que fora criado para viver. Hoje o homem é como um peixe fora d’água, não vive no seu habitat natural. Mas naqueles tempos não havia nem sequer uma ínfima parte do interior do homem que clamasse por algo que já não tivesse. Perfeito não? Exatamente, perfeito.

Mas mesmo nesse terreno terrivelmente árido para a atividade marketeira, ele, O Adversário, colocou toda sua expertise de milhares de anos de estudo na área e convocou todos os seus assessores para solucionar a questão de como ele podia fazer com que o homem, que já tudo tinha, acreditasse que nada tivesse. A solução do problema era infinitamente complexa, até que então, queimando de entusiasmo ele abre a porta de sua sala, e se dirige aos seus assessores: “Conseguimos!”. Repentinamente uma luz piscou em sua mente. As chamas de sua sala tomaram todo o recinto. De uma hora para a outra ele desenvolveu uma estratégia de fazer inveja a qualquer “Kotler”.

Todos estavam cientes das proporções cósmicas de sua empreitada. Movido por um rancor que, dizem alguns, remonta a conflitos cósmicos de um passado remoto e possuído de uma auto-confiança que inflamava as profundezas da terra, era chegada a hora de colocar seu planejamento em prática.

Para nossa alegria, o relato de sua estratégia está registrado de forma precisa nos anais da história. Conta-se que havia apenas um casal nessa época e que viviam sob o governo do maior sábio de todos os tempos, conhecido simplesmente como Aquele-que-não-pode-ser-nomeado, tamanha era sua grandeza, um ser que tinha pleno domínio de todas as ciências da época e inclusive das do porvir, como isso se dava, foge à nossa compreensão e não interessa ao nosso relato, suas leis eram perfeitas e suas criações também e, exatamente por isso, como vimos, o casal não necessitava de nada mais do que já tivesse. (É importante lembrar que o próprio casal era criação dele!). Chega de conversa e vamos ao relato dessa história.

Passo 1: Maximizando a restrição

O alvo foi a mulher do casal, seu nome era Chavah, os eruditos das línguas antigas dizem que seu significado é “Aquela que dá a vida”. O Adversário, já tinha sua fama na época e, portanto, devidamente disfarçado de víbora, se dirigiu à mulher: É verdade que Aquele-que-não-pode-ser-nomeado proibiu vocês de usufruírem todos os prazeres da terra?. Conhecedor da legislação vigente, O Adversário sabia que não era bem isso que havia sido instituído, não eram todos os prazeres que haviam sido proibidos, mas apenas havia sido proibido o prazer do Chatá - o Chatá era algo que ofendia Aquele-que-não-pode-ser-nomeado. Mas tudo isso fazia parte de sua estratégia de adentrar na mente humana maximizando o que é restrito para fazer com que o homem tire seus olhos de todos os prazeres lícitos que nos foram concedidos e nos voltemos às poucas coisas que nos foram proibidas. Havia milhares de coisas que eram permitidas à Chavah e ao seu marido, mas agora toda a sua atenção se voltava a única coisa que havia sido proibida. Nos foram concedidos inúmeros prazeres muito mais satisfatórios do que o Chatá, a paz da natureza, as praias, o verde, a amizade, o amor desinteressado. Mas assim como Chavah, preferimos respirar o ar poluído por nicotina ao ar puro da natureza. Preferimos o amor carnal e interesseiro ao o amor puro e desinteressado. Chavah respondera que apenas do Chatá ela não deveria usufruir, pois quando o fizesse, segundo Aquele-que-não-pode-ser-nomeado, ela certamente morreria. Mas já era tarde, o primeiro passo da estratégia d’O Adversário havia sido bem sucedido – o desejo de Chavah pelo que lhe era ilícito havia sido despertado.

Passo 2: Minimizar as conseqüências.

Como toda proibição instituída por Aquele-que-não-pode-ser-nomeado, a proibição do Chatá era para o bem do casal, pois Ele havia advertido que no dia em que o casal usufruísse o Chatá eles certamente morreriam. Ai então entra a segunda estratégia, O Adversário argumenta: “Ó mulher, tu sabes que é certo que não morrereis!”. Pronto, Chavah estava em suas mãos, é claro que as conseqüências não seriam tão ruins assim! Seus olhos já estavam totalmente fixos nos prazeres do Chatá, e afinal, suas conseqüências não deveriam ser tão ruins assim, para sabê-lo, ela deveria experimentá-lo por si mesma! Como saber se o Chatá é tão ruim, como estava escrito, sem tê-lo experimentado? Ah, mas quantas vezes vemos nos telejornais uma reportagem de uma velhinha prestes a fazer seus cem anos e que fuma um maço de cigarros diariamente desde os quinze e dizemos: "Cem anos! Mais saudável do que muitos que têm a metade de sua idade, ah, viram? Que mal têm num cigarrinho?" - “É certo que não morrereis”. Que mal há na libertinagem, DST só acontece com os outros! Que mal há em dirigir embriagado, tantos o fizeram na sua adolescência e jamais sofreram sequer um acidente! Freud e Sartre viciados em cocaína! Mas que mal há em aspirar um pó? É certo, tão certo, que não morrerei!

Passo 3: Dar novo rótulo a ação

Nesse momento O Adversário já estava absolutamente convicto do seu sucesso, ele sabia que Chavah não voltaria atrás, ele conhecia a psicologia humana como nem Freud haveria de conhecer. O terceiro passo poderia ser chamado de “dar novo rótulo à ação”. O Adversário, já ansioso por ver os resultados de sua estratégia dispara: “Ora, ora, ora mulher! Ele sabe que no dia em que usufruirdes o Chatá teus olhos serão abertos para toda uma nova realidade, os prazeres, o gozo, a satisfação será infinitamente superior, vá em frente! Acredite no que te falo!”. Nesse momento as conseqüências de sua estratégia já haviam sido devastadoras, Chavah não mais acreditava na bondade d’Aquele-que-não-pode-ser-nomeado, evidentemente, ela acreditava, Ele não queria que ela tivesse acesso ao supremo prazer. Ela já estava convicta de que não era porque o Chatá lhe faria mal que Aquele-que-não-pode-ser-nomeado o proibira de usufruí-lo, mas porque Ele não passava de um estraga-prazeres que não queria que ela obtivesse o que Ele havia criado de melhor e tivesse acesso a uma realidade infinitamente superior! “Mas que sábio sórdido, mesquinho, arrogante, estúpido, não preciso mais de Ti, eu posso ter tudo que eu quiser e dominar todas as conseqüências de meus próprios atos!” Assim foi que ela O negou. E assim também é, como a humanidade inteira o rejeita e o ignora. O Adversário havia sido hábil em tentar remover sua tentação da categoria de transgressão, dando-lhe um novo rótulo. Neste caso particular, o usufruto do Chatá havia sido rerrotulado como um modo de ampliar seus prazeres e se tornar uma pessoa mais completa caso o experimentasse. Antes disto Chavah havia pensado no ato proibido como ofensa: agora ela o vê como uma necessidade, se quiser tornar-se uma pessoa mais satisfeita consigo mesma, completa e madura.

Passo 4: Misturando o bem com o mal

O Adversário, tomado de ansiedade, não perdeu um instante sequer para acrescentar outro aspecto à sua estratégia, aspecto que se pode chamar de “misturar o bem com o mal”. Diz a história que a mulher ao olhar para a árvore viu que era agradável. A isto podemos nomear de misturar o pecado com a beleza, o imundo com o puro, o ilícito com o licito, o ruim com o bom. A tentação na maioria das vezes vêm na forma de algo belo, algo que apela para nossos sentidos e desejos. Na maioria das vezes é preciso pensar duas ou três vezes antes de percebermos que um objeto ou um alvo belo na realidade é pecado disfarçado. Neste triste incidente Chavah falhou em discriminar entre o bonito pacote e seu conteúdo pecaminoso. O mesmo acontece nos jargões populares da filosofia contemporânea. “Faça o que lhe fizer feliz”. “Faça sexo quando tiver vontade, o sexo é puro em si mesmo, a sociedade é que cria os tabus!”. O mal nada mais é do que a Verdade corrompida. Como Agostinho dizia, o mal não é uma entidade em si mesmo, mas um parasita. A mentira encobre a verdade, a imoralidade sexual empana a beleza do amor físico, a glutonaria abusa da comida e da bebida. Como um parasita o mal vive do bem, e não têm a capacidade de criar nada novo. Como disse o personagem Screwtape, de C.S.Lewis: “[O prazer] é invenção dele, não nossa. Ele fez os prazeres: todas as nossas pesquisas até agora não foram capazes de produzir um único que seja”. Enfim, o mal vem sempre disfarçado de uma Verdade.

Passo 5: Má interpretação das implicações

Finalmente, Chavah engoliu a balela d’O Adversário, diz a narrativa que ela viu que o “Chatá era um prazer licito e necessário”. Ela aceitou a declaração d’O Adversário, e com isto indiretamente, chamou Aquele-que-não-pode-ser-nomeado de mentiroso. Ela aceitou O Adversário como verdadeiro e Aquele-que-não-pode-ser-nomeado como mentiroso ao finalmente se entregar ao Chatá ela estava implicitamente afirmando sua crença em que O Adversário estava mais interessado no bem-estar dela do que Aquele-que-não-pode-ser-nomeado. Ela se rendendo, aceitou a análise d’O Adversário concernente à situação e desprezou o que havia dito Aquele que a criou. O resultado acredito que todos saibam...

Conclusão de nossa história

E assim foi que O Adversário iniciou sua atividade marketeira, apesar de brilhante, desde então ele não tem se mostrado muito criativo, pois, com raras exceções, ele nunca muda sua estratégia, é sempre idêntica. Mas sabem o que é mais curioso? Ele é sempre bem sucedido...


Vitor Pereira 29.02.2008


VIRKLER, Henry. Hermenêutica Avançada. p.168-170
YANCEY, Philip. O Deus (In)visivel. p. 244
Gênesis 3.

1 comentários:

Hélio Pariz disse...

Belíssimo texto, Vítor... me lembrou também a versão do Tolkien sobre A Queda em "O Silmarillion":

http://veja.abril.com.br/idade/estacao/sr_aneis/trechos/silmarillion.html

Assim, você está se tornando um inkling do séc. XXI.

Abração!

 
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