terça-feira, 27 de julho de 2010

Sorteio do livro “A Mente Cristã num Mundo sem Deus”



Nosso próximo sorteio será o livro “A Mente Cristã num Mundo sem Deus”, do Dr. James Emery White, professor de Teologia e Cultura no Gordon-Conwell Theological Seminary.

“A maioria dos cristãos preferiria morrer a pensar. Na verdade, é o que fazem.”

Bertrand Russell, filósofo ateu

“A mente voltada para Deus enfrenta um desafio cultural: o deus deste mundo – que, não sem forças intelectuais, dispõe-se contra o Reino do Senhor. Entre os poderes desse ataque, estão quatro idéias principais, cada qual essencial para nosso entendimento:

* Relativismo Moral;
* Individualismo Autônomo;
* Hedonismo Narcisista;
* Naturalismo Redutivo.

“O Trauma do nosso mundo é que a cosmovisão secular, arraigada no naturalismo, não cumpre o que promete. Em vez de acentuar a satisfação e a realização pessoal, vivemos num deserto moral e espiritual. O relativismo moral tem levado a uma crise de valores; vemo-nos carentes de valores, mas não os temos, e estamos divorciados de qualquer meio para encontrá-los. O individualismo autônomo tem levado a uma falta de visão; nada existe que nos chame para cima, para sermos mais do que somos, além de nós mesmos. O hedonismo narcisista tem cultivado almas vazias, qualquer pessoa que tenha seguido sua trilha sempre embotadora sabe quanto seus apelos são vazios. O naturalismo redutivo, logicamente, tem se provado inadequado para a experiência humana; sabemos intuitivamente que existe mais na realidade do que os cinco sentidos podem verificar, e ansiamos por descobrir aquilo que está além de nós mesmos.

Mas os cristãos têm algo a oferecer ao mundo que o próprio mundo já não tenha? Somos capazes de apresentar Cristo com tanta clareza que os não cristãos possam entender que somente Cristo alcança as mais profundas necessidades da vida deles? Não, se não forjarmos nossa mente na bigorna do desenvolvimento.” (Retirado das páginas 27 a 34).

“…não deixamos de orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual.”

Colossenses 1.9

Pretendemos realizar o sorteio no dia 31 de Agosto. Quem deseja participar pode clicar aqui e preencher o formulário.

O vencedor do sorteio anterior ("A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna") foi Raul de Souza Anjo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Tantos ateus, tão pouco tempo! (W. L. Craig - Questão da Semana)



Tradução: Vitor Grando
http://despertaibereanos.blogspot.com
vitor.grnd@gmail.com

Essa resposta do W.L.Craig é uma ótima introdução à apologética. Ele apresenta boas ferramentas ao leigo que quer estar "sempre preparado para responder a razão da nossa fé" (1 Pe 3.15). Recomendo para todo cristão!

Pergunta:

Dr. Craig, eu estudo na Universidade do Estado de Louisiana e trabalho na biblioteca da faculdade. De todas as pessoas com quem eu trabalho, metade são agnósticas e a outra metade ateísta. Eu me tornei um cristão nascido-de-novo há pouco mais de um ano, após cinco anos de ateísmo. Eu tenho percebido que muitos jovens creem, como eu cria, que a religião é coisa estúpida e de que não há Deus algum. Eu sequer menciono religião para meus colegas de trabalho e alguns deles, ainda assim, dizem coisas horríveis a respeito da religião e do Cristianismo. Eu trabalho com um inglês que diz que seu país é muito não-religioso onde até a menção do nome de Deus é ridicularizada. A América do Norte também tem se tornado descrente. Preocupo-me com nosso futuro. Não sei como combater o ateísmo. Sou cristão, convertido por experiências pessoais, não sou filósofo. Ateus pedem por respostas, respostas que eu não tenho tempo para procurar. Estou fazendo três graduações na LSU e nenhuma delas é filosofia. Como pode um simples estudante leigo, como eu, se tornar um decente defensor do Cristianismo contra esse colegas ateus? Sempre defenderei minha crença em Cristo, mas eles procuram por algo mais do que eu creio. Eles dizem que os crentes são estúpidos e ilógicos, portanto eu gostaria de argumentar fundamentado na lógica e provar a eles que os crentes não são estúpidos. Como alguém que não tem tempo de aprender filosofia ou ler teologia pode debater contra esses descrentes mente-fechada?

John

Dr. Craig responde:

Tendo já falado duas vezes na LSU, eu fiquei surpreso com a atmosfera de descrença que caracteriza a comunidade universitária lá. Isso lhe dá a oportunidade de ser ainda mais luz na escuridão.

Respondo a sua pergunta esta semana, John, porque eu penso que é uma pergunta que muitos cristãos encaram. Não temos tempo para nos tornarmos hábeis apologistas, e ainda assim nos encontramos em situação nas quais somos chamados a apresentar uma "razão para a esperança que há em nós" (1 Pedro 3.15). O que devemos fazer?

Algo fácil que podemos fazer é aprender a formular questões. Greg Kouhl recomenda fazermos duas perguntas aos descrentes:

1. O que você quer dizer com isso?

2. Que razões você tem para pensar isso?

É incrível como essas duas simples perguntas são capazes de embaralhar as pessoas! Por exemplo, pergunte ao descrente o que ele quer dizer quando diz que não acredita em Deus - ele é ateu ou agnóstico? (Prepare-se para explicar a diferença para ele!). O que quer que ele diga, pergunte-o, "Que razões você tem para pensar isso?" Muitas pessoas sequer entendem o que querem dizer com suas afirmações, e provavelmente a maioria não tem boas razões para elas. Enquanto você estiver fazendo perguntas, você não está fazendo afirmação nenhuma, portanto não tem que provar nada. Deixe o ônus da prova com os descrentes.

Outra coisa que você pode fazer é se referir a alguma fonte. Você não precisa ter um cérebo para dizer a alguém, "Você já viu a Blackwell Companion to Natural Theology? Antes de dizer que não há teístas inteligentes e nenhuma boa razão para crer em Deus, talvez seja melhor você dar uma olhada nesse livro primeiro. Caso contrário, você não estará realmente informado". Você não precisar ter lido esses livros se estiver com o tempo apertado. Tudo que você precisa é conhecer alguns títulos: God, Freedom, and Evil, de Alvin Plantinga. The Existence of God, de Richard Swinburne. Finite and Infinite Goods: A Framework for Ethics, de Robert Adams. The Book of Acts in the Setting of Hellenistic History, de Colin Hemer. Jesus Remembered, de James D. G. Dunn. The Resurrection of the Son of God, de N. T. Wright. Envergonhe o descrente pela sua ignorância dessa literatura. Se ele for alguém sincero, recomende que ele pesquisa neste site ou assista a um debate.

Terceiro, aprenda a citar nomes de estudiosos cristãos. Quando o descrente lhe disser que todos os cristãos são ignorantes, mostre-se surpreso e diga surpreendido, "Você realmente acha isso? O que você acha da obra de Alvin Plantinga - ou de William Alston?". Citar nomes pode ser desagradável quando alguém está querendo aparecer, mas num caso como este, você está apenas oferecendo contra-exemplos à alegação de que todos os cristãos são ignorantes, uma visão que está enraizada na ignorância. Aqui vão alguns nomes para serem mencionados: filósofos: Alvin Plantinga* (Universidade de Notre Dame), Peter van Inwagen (Universidade de Notre Dame), William Alston (Universidade de Syracuse), Richard Swinburne (Oxford), Robert Adams (Universidade da Carolina do Norte), Dean Zimmerman (Universidade Rutgers); cientistas: Francisco Ayala (altamente condecorado biólogo evolucionista), Allan Sandage (o astrônomo mais famoso do mundo), Christopher Isham (O maior cosmologista quantum do Reino Unido), George Ellis (uma vez descrito pra mim por um colega como a pessoa que mais sabe de cosmologia do que qualquer homem vivo), Francis Collins (líder do projeto genoma); estudiosos do Jesus histórico: John Meier (autor do estudo multi-volume sobre o Jesus histórico), N. T. Wright (outro grande escritor de obras sobre Jesus, James D. G. Dunn (grande estudioso da Universidade de Durham), Craig Evans (canadense estudioso do Jesus histórico de primeira linha). Pergunte ao descrente como ele pode fazer qualquer afirmação crível sobre o calibre intelectual dos cristãos se ele jamais leu qualquer destes estudiosos.

Quarto, apresente esta réplica às afirmações dele:

"Deixe-me ver se eu entendi: seu argumento é que

1. Cristãos são estúpidos e ilógicos.

2. Portanto, o Cristianismo não é verdadeiro.

Agora me explique como (2) se segue logicamente de (1)?"

Quem está sendo ilógico agora? Você pode até escrever a premissa e a conclusão num papel para ele. Pergunte a ele como a conclusão segue logicamente da premissa. Se ele quiser adicionar algumas premissas ao argumento, vá em frente e deixe-o fazê-lo, e então lhe pergunte quais razões ele tem para pensar que as premissas são verdadeiras. Diga a ele que atacar a inteligência dos cristãos em vez de atacar a visão dos mesmos é cair na falácia de argumentar ad hominem (a falácia de atacar a pessoa em vez da visão da pessoa). Novamente, quem é o ilógico?

Finalmente, John, deixe de dar desculpas e tire algum tempo para se preparar. Você pode tirar uma hora por semana, todo Sábado ou Domingo, e estudar um capítulo de On Guard. Você terminará em dez semanas. Memorize as premissas dos argumentos teístas para que estejam na ponta da língua. Eu garanto que se você fizer isso, estará preparado para lidar com quase todo descrente que cruzar seu caminho. Não é tão difícil, John! Sei que você é ocupado com suas aulas e trabalhos de casa, mas não posso crer que você não consegue arrumar uma hora da semana para investir na preparação apologética. Se fizer isso, não se arrependerá.

O texto original se encontra em: ReasonableFaith.org

Obs.: Só há um problema na resposta do W.L. Craig: a maioria das fontes que ele cita não existe em português - para infelicidade nossa! Sendo assim, temos que buscar alternativas aos recursos que ele indica, aqui vão algumas dicas:

(1) Alvin Plantinga, o filósofo citado pelo Craig, não tem nenhuma obra traduzida para o português, mas este blog é, talvez, a maior fonte de artigos traduzidos de Plantinga, tais artigos podem ser lidos aqui:

(2) Uma das melhores fontes de recursos apologéticos para nós brasileiros é o site Apologia.com.br

(2) O livro On Guard, que não tem tradução para o português, pode ser substituído por outro livro do W.L. Craig: A Veracidade da Fé Cristã

(4) Considero as seguintes obras a melhor introdução à apologética: (1) Cristianismo Puro e Simples - C.S.Lewis (2) Em Defesa de Cristo - Lee Strobel (3) Em Defesa da Fé - Lee Strobel (4) A Veracidade da Fé Cristã - W.L. Craig. Lendo tais obras você já será capaz de apresentar uma sólida defesa da fé cristã.

(5) Pesquise, pesquise e pesquise! A internet tem muitos recursos sobre os livros e autores citados pelo W.L. Craig - PESQUISE! Caso alguém precise de mais informações podem me escrever que eu responderei prontamenet.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Quando Tudo É Permitido - Wolfhart Pannenberg




Wolfhart Pannenberg, dotado de uma incrível bagagem interdisciplinar e de uma excepcional habilidade de relacionar a Teologia com as demais disciplinas acadêmicas - incluindo a Filosofia, Sociologia, História e as Ciências Naturais - é provavelmente o mais proeminente teólogo contemporâneo. Foi aluno de Karl Barth, Edmund Schlink e Gerhard Von Rad. Pannenberg rompeu com a teologia de seus antecessores alemães , como Karl Barth, Tillich e Bultmann, que não viam a resurreição de Cristo como um fato histórico e, portanto, acessível ao escrutínio racional. Pannenberg não só rompeu com esta tradição como recolocou a Teologia na busca pela verdade, retirando-a do campo do subjetivismo extra-racional. Para ele a resurreição de Cristo é a chave para a compreensão da história. Seu magnum opus, sua Teologia Sistemática de três volumes, foi recentemente traduzido para o português pela editora Paulus. Recentemente se aposentou após 27 anos como professor de Teologia Sistemática da Universidade de Munique, Alemanha, e diretor do Instituto de Teologia Ecumênica. Tradução do alemão para o inglês por Markus Bockmuehl.

Para ler outro artigo do Pannenberg traduzido neste blog:
Como Pensar Sobre o Secularismo - Wolfhart Pannenberg


Mais informações sobre Pannenberg:
1 )Wolfhart Pannenberg's Quest for the Ultimate Truth - Stanley Grenz
2) Pannenberg - Theologian and Man
3) Wikipedia
4) Blog Teologia Contemporânea


Tradução: Vitor Grandohttp://despertaibereanos.blogspot.com
vitor.grnd@gmail.com


É uma notável singularidade dos nossos dias que o assunto da moralidade e da ética seja tido como uma questão de interesse público, enquanto a questão referente a Deus seja tida como uma questão esotérica de interesse de teólogos e "pessoas que buscam esse tipo de coisa." Nem sempre foi assim, e é muito importante perguntarmos como chegamos à presente situação, e o que pode ser feito em relação a isso.

O debate público, hoje em dia, sobre valores morais é normalmente estruturado em termos de uma busca por um consenso moral que não mais é auto-evidente; de fato, a questão da moralidade não é evidente para muita gente. A busca por um consenso moral baseado numa natureza humana comum tem, por algum tempo já, substituído a função social da crença religiosa, que por muito foi tida como um fundamento indispensável à paz social. Em grande parte da história, a unidade religiosa era vista como essencial à unidade da sociedade e da cultura. Essa suposição foi abalada durante as guerras religiosas na Europa nos séculos XVI e XVII.

Como consequência das guerras religiosas, a conclusão oposta foi tirada: A paz social requer que as crenças religiosas, e desacordos sobre crenças religiosas, sejam desconsideradas. Apesar de a religião institucionalizada ter continuado por um bom tempo na Europa, a religião não mais servia a seu antigo propósito. No lugar da religião, conceitos sobre a natureza humana se tornaram fundamentais em teorias sobre a sociedade e a cultura pública.

Entre os pensadores alemães, foi Wilhelm Dilthey quem, já no final do século XIX, delineou as maneiras pelas quais, começando em meados do século XVII, a natureza humana substituiu a religião no pensamento Europeu. Sendo construídas sobre reformulações da lei natural por Hugo Grotius e Thomas Hobbes; as teorias de contrato social, conceitos de moralidade natural e religião natural se tornaram populares e foram frequentemente usadas contra a religião e moralidade reveladas. Ainda assim, por algum tempo os conceitos de moralidade continuaram a usar a crença em Deus como origem das normas morais e como o juiz final do comportamento humano. A conexão necessária entre Deus e a moralidade foi preservada, por exemplo, no pensamento de Herbert de Cherbury e John Locke. Com Anthony Shaftesbury, entretanto, o sentimento moral foi tratado como autônomo. Mesmo no caso dele, entretanto, enquanto o sentimento moral era independente da religião, seu ideal de harmonia requeria, no final, harmonia com Deus e a ordem do universo.

O século XVIII testemunhou abordagens diferentes sobre se há autonomia humana em se tratando de moral, ou se o sentimento moral depende da crença em Deus. David Hume argumentou a favor da autonomia do sentimento moral, enquanto Rousseau foi pelo outro lado. Enquanto Rousseau pensava que a consciência era a fonte de nosso conhecimento sobre os deveres da lei natural, ele também pensava que a consciência do homem está desajustada. No livro Emílio, de Rousseau, o Vigário de Savoy argumenta que a voz da consciência foi praticamente extinta na maioria de nós devido à expressiva experiência de perversão humana e injustiça. Uma purificação da consciência é requerida, e isso somente é possível se acreditarmos em Deus. Se Deus não existe, o vigário afirma, então somente os perversos estão agindo razoavelmente. Não faz sentido ser bom. Assim, o sucesso do perverso nessa vida enfraqueceria o sentimento moral do bom. Isso pode ser prevenido apenas pela crença de que há uma recompensa final além dessa vida na qual todos receberão o que lhes é devido. A religião é, portanto, de importância pública no Contrato Social de Rousseau, apesar de não ser religião revelada. Em vez disso, ele propôs uma "religião civil" com artigos suficientes de fé para motivar o comportamento moral: crença em Deus como origem da ordem social e da lei, na divina providência, e na recompensa futura.

Apesar disso ser, às vezes, menosprezado, Immanuel Kant era um admirador de Rousseau, e em sua Crítica da Razão Pura ele aderiu à ideia de que a moral pressupõe religião. Kant afirmou a autonomia da razão como a única fonte de nossa consciência da lei moral, mas em sua visão a motivação da conduta moral pressupõe uma ordem moral na qual cada pessoa vai receber a medida de alegria ou tristeza apropriada a seu mérito. Para ser assim, deve haver uma harmonia entre a ordem moral e o curso da natureza, e isso pode ser garantido apenas pelo criador que, em sua capacidade como razão máxima, é também a fonte de nossa obrigação moral. Sem a existência de Deus, a razão seria compelida a concluir que sua intuição da lei moral é pura ficção. Essa visão deixa um problema para Kant, já que torna nosso sentido moral dependente da existência de Deus, o que contradiz sua alegação da autonomia moral da razão. Em seus últimos anos, portanto, Kant se sentiu forçado a atenuar a importância da crença religiosa no sentido de obrigação moral. Ele agora argumentava que a religião é uma consequência da consciência moral, não mais uma pressuposição da obrigação moral. Neste caso, a crença em Deus e na imortalidade só exerce um papel de reconciliadora entre as exigências da lei moral e nosso desejo natural por felicidade. Isso, entretanto, parece extremamente com eudemonismo; a teoria segundo a qual o maior objetivo moral é a felicidade, que era repugnante para Kant. Não é de se imaginar por que a filosofia da religião de Kant foi logo considerada a parte mais fraca de seu pensamento, enquanto seu princípio da autonomia da razão na filosofia moral foi tido como marco épico.

II

Na situação de hoje, há poucas chances de que o apelo à autonomia da razão vá trazer amplo consenso em relação às normas morais. Mesmo Kant não esperaria que isso acontecesse, visto que ele atribuiu à religião a tarefa de introduzir os princípios morais da conduta social. Ele insistiu somente que a lei moral deveria ser o princípio hermenêutico na transmissão da crença religiosa, com o resultado de que a filosofia moral tomaria a frente na formação do consenso moral da sociedade. Seja como Kantianismo ou algum tipo de Utilitarianismo, a filosofia moral no século XIV e começo do século XX, de fato, substituiu a religião entre a aelite intelectual e aqueles influenciados por ela. Tanto as filosofias morais Kantianas quanto Utilitárias continuaram a afirmar a autoridade pública das normas morais, como também seu poder racional de persuadir.

A autoridade da filosofia moral recebeu um duro golpe, entretanto, da análise psicológica de Nietzsche sobre a genealogia dos valores morais. O que chamamos de valores morais, Nietzsche defendeu, estão na verdade a serviço de propensões, inclinações e desejos mais profundos, em especial o desejo de dominar os outros. A história da cultura é a história de uma luta entre diferentes conjuntos de normas morais. Como resultado, as normas morais são relativas, e a voz da consciência é, na verdade, a voz do contexto cultural. Essa maneira de pensar foi popularizada e reforçada por Sigmund Freud e a psicanálise, onde encontramos a doutrina do superego como fonte da consciência moral.

A relativização da antes absoluta autoridade das normas morais converge hoje com a ênfase na liberdade individual como a autoridade final da condução da vida. Na filosofia de John Locke, a liberdade é enraizada no conceito de lei. Hoje, liberdade e lei são vistas como inimigas. A lei moral e civil são vistas como limites à liberdade do indivíduo. Isso é evidente, por exemplo, na constituição do meu próprio país, Alemanha. Lá a liberdade de auto-realização é limitada por três fatores: As justificadas alegações dos outros, a lei moral, e a ordem da lei positiva. Perceba o que aconteceu, entretanto, e não preciso dizer que isso não aconteceu somente na Alemanha. Dos três fatores limitantes, o conceito de lei moral não é mais útil já que não há acordo sobre seu conteúdo e autoridade coercitiva. Disso se segue que "as alegações justificadas dos outros" não pode ser afirmada, já que não sabemos o que é e o que não é uma alegação justificada. O resultado final é que os únicos limites ao exercício da liberdade individual são as exigências da lei positiva. Moralidade e lei são fundidas, daí o que não é ilegal não é imoral. Se algo não é proibido por lei, os outros são constrangidos a tolerar o que o indivíduo considera necessário ao exercício de sua liberdade. Uma consequência nada surpreendente disso é que a lei positiva é vista, às vezes, como uma limitação arbitrária da liberdade pessoal.

A filosofia moral não oferece muita ajuda nessa situação, não desde 1903 quando George Herbert Moore em Principia Ethica reduziu o julgamento moral a intuições que não podem nem ser demostradas nem refutadas por argumentos racionais. Se esse é o caso, é razoável ver as normas morais como preferências guiadas pela emoção ao invés de assunto reservados a argumentação racional. Essa é a circunstância intelectual e cultural brilhantemente exposta por Alasdair MacIntyre em seu livro After Virtue, no qual ele mostra como o intuitivismo e o emotivismo se fortaleceram com a desconstrução das normas morais empreendida por Nietzsche. Tendo dito isso tudo, entretanto, não é preciso nos desesperar quanto ao futuro da consciência e da argumentação moral. Elas não vão desaparecer. Há várias razões para isso, e a menor não é a propensão humana a julgar a conduta alheia. Não vamos parar de julgar, em privado ou em público. Isso se dá simplesmente por nossa tendência de sermos juízes. O julgamento moral é intrínseco a nossa natureza como seres sociais. Não temos escolha a não ser julgar como as pessoas deveriam se comportar em situações diferentes. As situações exigem isso, quer queiramos julgar ou não. Não importa, ao menos neste nível, se as idéias normativas pressupostas no nosso julgamento da conduta alheia são corretas ou justas. É suficiente que tais idéias normativas são empregadas, e não dá pra fugir disso.

Reflexão sobre como julgamos pode levar a conceitos básicos de lei natural. Nosso julgamento, por exemplo, evidencia uma demanda por alguma forma de mutualidade nas relações sociais: pacta sunt servanda – ambos os lados devem manter suas promessas. Essa é a “regra de ouro” da mutualidade: O que você não quer que outros lhe façam, você não deve fazer a eles. É claro, a regra exige especificações posteriores em relação a como as pessoas estão diferentemente situadas, mas de uma forma ou de outro o princípio da mutualidade está por trás de nosso julgamento de outros. Os seres humanos têm um interesse comum nos requisitos básicos da vida social, e a mutualidade é a base do básico.

Isso não sugere que as pessoas sempre agem de acordo com a regra de ouro da mutualidade. Longe disso. É obviamente mais fácil julgar a conduta dos outros do que nossa própria conduta. Em relação à nossa própria situação, somos incrivelmente tendenciosos a clamar por exceções às regrais gerais. Isso não se dá apenas por sermos criaturas egoístas. É também por que situações individuais são, de fato, únicas e nem sempre se encaixam às regras gerais, e cada um de nós consegue mais facilmente perceber a singularidade de nossa própria situação do que a singularidade da situação de uma outra pessoa. Isso não é uma falha. É natural. Não devemos ficar surpresos pelo fato de uma pessoa poder ter uma forte consciência das regrais gerais enquanto, ao mesmo tempo, tender a clamar exceções para si mesma. A tentação, é claro, é superestimar a importância das particularidades individuais. Nosso conhecimento das normas observadas pela maioria pode funcionar como condição para clamar por exceções para nós mesmos. Afinal, nenhum de nós é maioria.


Precisamente neste ponto a dissolução da autoridade absoluta das normas morais impregnam a conduta das vidas individuais. A crise da consciência moral não é que as pessoas não mais sabem sobre as condições e requisitos gerais da vida em sociedade. A crise vem ao aplicar tal conhecimento a casos individuais, e especialmente aos nossos próprios casos. Isso inclui a questão de como a formulação e observância das normas gerais podem se tornar subservientes à preferência individual. Como resultado da falta de habilidade de concordar sobre a conexão entre as regras gerais e os casos individuais, não há consenso quanto à ideia de justiça. A justiça requer que cada pessoa ou grupo receba e contribua de acordo com seu posicionamento dentro de um sistema social. Há um cacofonia de reivindicações de justiça, tipicamente articuladas em termos de “direitos”. Mas não há nenhum consenso sobre os requisitos da justiça. Na ausência deste consenso, reivindicações de justiça parecem vazia e como moralismo auto-serviente.

III

Reivindicações discordantes sobre justiça não são modernas. Sempre houve tais discordâncias dentro de sociedades e entre sociedades, como o resultado da ruptura social e guerras entre nações. Na visão bíblica, a condição de paz duradoura é um apaziguamento das reivindicações discordantes, um apaziguamento que pode vir somente de uma autoridade superior reconhecida por todos os partidos em conflito. Em Isaías e Miqueias nós temos uma visão da peregrinação de todas as nações ao Monte Sião, onde o Deus de Israel organiza suas reivindicações discordantes e estabelece a paz eterna. Certamente a visão tem a ver com o fim dos dias. No presente, as nações do mundo não parecem inclinadas a ter suas reivindicações julgadas pelo Deus de Israel. Alguns apelam ao Presidente dos Estados Unidos, e uns poucos apelam ao Papa, mas mesmo essas nações que compartilham da herança cristã não reconhecem a autoridade do Deus de Israel para resolver suas diferenças. Nem podemos esperar que as sociedades secularizadas do Ocidentes resolvam seus conflitos internos apelando à autoridade de Deus.

Pode ser o caso de que a crise moral das sociedades seculares modernas sejam atribuídas ao fato de que Deus não é mais reconhecido publicamente como fonte das normas morais. Enquanto esse reconhecimento estava intacto, a validade absoluta das normais morais e o senso individual de obrigação para com essas normas estavam assegurados. A experiência histórica demonstra que, para sociedades e para indivíduos, a autonomia da razão não pode substituir satisfatoriamente a autoridade de Deus. Quanto a isso, Rousseau está totalmente correto. Como estava Dostoiévski, quando seu Ivan Karamazov observou que, sem Deus, “tudo é permitido”. Numa entrevista de 1970, o filósofo marxistas Max Horkheimer declarou que, ao menos no Ocidentes, tudo que é relacionado à moralidade está ligado a raízes teológicas. Podemos querer modificar isso notando que a tradição da filosofia moral remonta à Grécia clássica e, portanto não tem todas suas raízes na fé judaico-cristã no Deus de Israel. E modificar isso por notar ainda que uma disposição à benevolência, uma benevolência que se compraz na felicidade dos outros, é parte da natureza humana. Todavia, o sendo de obrigação moral cultivado pelos últimos quinze séculos não pode ser concebido a parte da fé no Deus da Bíblia.

A verdade é que nas nossas sociedades Ocidentais e secularizadas a autoridade pública da religião, principalmente o Cristianismo, não será facilmente reconstruída. A perspectiva mais promissora é por uma renovação de uma moralidade especificamente cristã dentro da própria comunidade cristã. Aqui devemos dar atenção a uma maneira cristã de viver que é claramente distinta das formas convencionais da cultura que nos circunda. Há importantes objeções ao que parece ser um voltar-se para si que foca mais o raciocínio moral no desenvolvimento de uma ética distinta para a comunidade Cristã. A mais importante objeção é que a moralidade, por sua própria natureza, está relacionada a tudo que é universalmente humano. Há algo inerentemente equivocado com uma ética sectária. O discurso moral na teologia cristã, como na filosofia, atende à natureza humana, os anseios e aspirações de todos. Não atende somente, nem em primeiro lugar, a preocupações especiais dos Cristãos. Na história da ética Cristã, a ética Cristã não é somente para Cristãos.

Esse interesse universal é grande, evidente deste os tempos dos Pais da Igreja. A ética cristã se dirige a todos os seres humanos como criaturas do único Deus; todos estão envolvidos na queda de Adão, e todos são chamados à reconciliação com Deus, libertação da escravidão do pecado e da morte, e glorificação final na comunhão com Deus, o Pai, Filho e o Espírito Santo. Essa compreensão da natureza e história da raça humana explica os imperativos missionários do Cristianismo. Isso está enraizado na crença de que toda a humanidade e todo o universo são criados pelo Deus de Israel que se revelou definitivamente em Jesus Cristo. Verdade, esse entendimento não é mais compartilhado por todos em nossas sociedades e, portanto, não caracteriza mais o espírito de nossa cultura pública. Isso é visto como um entendimento peculiar aos cristãos. Mas, todavia, é um entendimento cristão que abarca todos os seres humanos.

A ética cristã, então, não está limitada aos cristãos, mas está relacionada a situação moral e o chamado de todos. Essa é a conexão entre o particular e o universal no pensamento cristão, e é uma conexão que deve ser honrada hoje no pensamento moral cristão. Não pode haver uma virada em direção à comunidade Cristã que exclua as alegações Cristãs e as preocupações Cristãs sobre a condição universal e o destino dos seres humanos como tais. Como a Igreja Antiga integrou o catálogo clássico de virtudes à doutrina Cristã de virtude que culmina na tríade Paulina da fé, esperança, e amor, então a ética Cristã deve compreender tudo que é verdadeiro no pensamento moral além das fronteiras formais do próprio Cristianismo. Não podemos nos atrever a esquecer que João 3.16 começa com “Deus amou o mundo...” A ética Cristã digna do nome que sustenta entende a si mesma como um relato moral do e para o mundo.

Já tratamos da primeira objeção a uma ética Cristã que trata especificamente da conduta da comunidade Cristã. Uma segunda objeção surge da peculiar história do Protestantismo. Enquanto o o ensinamento moral Católico Romano tradicionalmente foi articulado em tensão com a modernidade, o Protestantismo entendeu a si como aliado ao desenvolvimento do mundo moderno. Isso é notavelmente verdadeiro no Protestantismo liberal, que é frequentemente chamado de “Protestantismo cultural” outrora dominante em muito da Europa e América do Norte. Esse Protestantismo reluta a diferir dos valores preponderantes da cultura geral. De fato, ele se vê com um interesse proprietário nesses valores. Essa atitude pode ser remontada à Reforma e, especialmente, a doutrina de Lutero de que o Cristão satisfaz sua vocação divina fazendo a obra a qual ele é chamado a fazer na esfera secular. Isso contrastava com a visão Católico Romana de que há, por exemplo no monasticismo, vocações especiais à santidade. Além do mais, e muito importante para nossa discussão sobre autoridade moral, o Protestantismo tem crédito no desenvolvimento das ideias modernas de liberdade e direitos humanos. Como resultado, os Protestantes viram a adaptação à cultura moderna não como um processo de compromisso moral, mas como um processo de fidelidade a sua herança.

Exemplos não faltam para ilustrar as maneiras pelas quais o Protestantismo se identificou com a cultura geral, mesmo quando tentava transformá-la. Essa identificação parece ser exposta quando a ética cristã torna sua atenção à comunidade da fé em vez da cultura geral. Tal atenção à comunidade é suspeita de sectarianismo, especialmente quando a ênfase está na separação Cristã dos caminhos do mundo, ou quando o mandamento de amar o próximo é entendido como uma responsabilidade de amar os irmãos e irmãs Cristãs. Ainda assim devemos acolher a possibilidade de que uma virada sectária à comunidade, e longe de uma cultura geral que está alienada de sua herança Cristã, pode contribuir muito significantemente para a renovação moral dessa cultura. Na Igreja Antiga, os cristãos viveram uma moralidade muito diferente da moral da cultura que os circundava, e sua coragem de ser diferente se tornou um forte atrativo do Cristianismo. As pessoas reconheceram que a ética Cristã era superior e digna de imitação. Não deveríamos descartar a possibilidade disso acontecer novamente.

Uma terceira objeção à proposta de que a ética Cristã deveria se direcionar à comunidade da fé surge da ideia Cristã de amor. Não requer o chamado ao amor incondicional que aceitemos pessoas assim como elas são? Isso parece incondicionalmente comprometido se discriminarmos entre os Cristãos e não-Cristãos ou fizermos exigências das pessoas. Em nome do amor, as admoestações apostólicas de não termos comunhão com pessoas que vivem em violação ao ensinamento apostólico são facilmente descartadas. Mas o amor Cristão tem um aspecto crítico. Este amor não pode ser equiparado à “aceitação” incondicional. O amor está pronto para aceitar qualquer um, mas também convoca todos a mudar. À adúltera de João 8, Jesus disse “Vá, e não peques mais.” Quando, ao contarmos a história de aceitação da mulher por Cristo, omitirmos a admoestação, quebramos a conexão entre o mandamento de amar ao próximo e o mandamento mais importante de amar a Deus. Não se pode amar a Deus sem obedecer sua vontade, e no ensinamento de Jesus o amor de Deus é tanto a fonte como o critério de nossa obrigação de amarmos os outros. As pessoas devem ser amadas à luz do destino planejado por Deus para elas.

No Antigo Testamento, o amor de Deus é expresso em sua eleição de um povo para si mesmo e em sua perseverança nesse ato de eleição. Essa é a fonte e o critério de toda obrigação moral. Pois Deus quer que seu povo eleito floresça, é requerido de todo membro da comunidade que observe as condições mínimas para o florescimento da comunidade. Isso explica a correspondência entre a segunda tábua do Decálogo e as verdades da lei natural que são essenciais à vida comunitária. Nenhuma comunidade humana é possível onde pessoas se matam, roubam as posses dos outros, violam seus casamentos, desonram seus pais, ou agridem-se mutuamente por difamações.

O ensinamento moral de Jesus era também derivado diretamente da autoridade de Deus e de seu amor, não da autoridade do ensinamento moral e legal da tradição. Em Mateus 6, por exemplo, o amor do Criador por suas criaturas é evidente no fato de que “ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e manda chuva sobre justos e injustos”. Assim devemos seguir o exemplo de Deus, amando não somente nossos amigos, mas também nossos inimigos. Diversas vezes, Jesus ensinou que, assim como o amor do Pai celeste é expresso em seu perdão por nós, da mesma maneira estamos obrigados a perdoar os outros. Assim ele nos ensinou a orar, “Perdoai as nossas ofensas assim como temos perdoado a quem nos tem ofendido”. O perdão de Deus antecede e é a fonte e critério do nosso perdão.

Esse entendimento do amor é a contribuição Cristã ao discurso ético e à moralidade universal. O amor Cristão enriquece e fortalece as inclinações naturais dos seres humanos à benevolência, que estão sempre carentes de fortalecimento. Essa é a mais importante contribuição Cristã à vida moral em geral, também sob as condições das sociedades seculares modernas. Mas os Cristãos também precisam apontar que a benevolência e a alegria que vem com isso são evidência de um anseio mais profundo do ser humano pelo bem. O bem pelo qual o ser humano anseia não está limitado ao bem moral. É o bem entendido no sentido platônico, que significa o bem que é fonte da felicidade. É, em resumo, um anseio por Deus, a fonte última e duradoura de felicidade. Na benevolência há um vislumbre desse bem último, acompanhado pela experiência da felicidade. É um sinal do Reino porvir.

Nosso vislumbre do Reino, entretanto, não leva a indiferença as condições quotidianas da comunidade humana. Pelo contrário, onde a benevolência mútua domina, essas condições aparecem sem necessidade de alvoroço. Nas palavras de Paulo, “Assim, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas se passaram, eis que tudo se fez novo.” Se a ética Cristã atende ao viver dessa nova maneira – uma nova maneira que é a satisfação de nossa natureza desde o início – o mundo pode novamente nos notar. Então, por último, nós poderemos superar essa singularidade impressionante de nossa circunstância moderna onde o questão da moralidade e da ética é vista como uma questão de interesse público, enquanto a questão de Deus é vista como uma questão esotérica de interesse de teólogos e “pessoas que se interessam por esse tipo de coisa”. Então, por último, nossa cultura pode ser renovada ao entender que não precisamos escolher entre a natureza e a religião, e que a liberdade, longe de ser limitada quando reguladas pela autoridade moral, não são possíveis sem ela.

 
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